O que o Leon ensina sobre UX, CX e Satisfação do Cliente

Esse é o meu filhote, o Leon. Ele teve dor de barriga comendo a ração mais elogiada do mercado. E o que aconteceu depois mostra como UX (user experience) pode melhorar muito a CX (customer experience) e a satisfação do cliente.

Giovanna Cestari
9 min readJun 17, 2021
Leon S2

Avaliando uma experiência recente que tive com uma empresa de ração, este artigo apresenta propostas de como o UX pode ser usado para transformar uma jornada longa e com falhas, ilustrada na imagem a seguir, num fluxo rápido, fácil e eficiente, que eu deixei lá no fim do artigo ;)

Como foi minha experiência com a Marca Respeitada

I. O que aconteceu

Desde que saiu do leite materno, o Leon comeu a mesma ração. E fazia cocô parecido com a imagem abaixo:

Basicamente, pelo cocô, dava para imaginar que o Leon era na verdade um Brontossauro

Eu achava que fosse normal, até a coisa piorar e se transformar numa diarreia evidente e insistente. Alguns veterinários, remédios e tratamentos depois, descobri que a causa do problema era justamente a ração super recomendada que eu vinha dando para ele.

Disclaimer: vou usar o nome fictício “Marca Respeitada” porque este artigo quer refletir sobre espaços para melhoria e não expor a empresa, ok?

II. Meu contato com a empresa

Acabei descobrindo que a Marca Respeitada tem um programa de garantia de satisfação e tentei entrar em contato. O telefone do SAC não funcionou, nem sequer tocou. Escrevi para o e-mail do SAC. Não obtive resposta e por fim, num domingo, fiz um post no Reclame Aqui.

Segunda-feira de manhã já tinha um e-mail do SAC (não em resposta ao que eu havia enviado, mas um novo, resultado do post no Reclame Aqui) perguntando como poderia me ajudar, além de uma réplica no próprio site do Reclame Aqui.

A. Analise comigo a satisfação do cliente dessa situação

Segundo os pais do marketing, Kotler e Keller, satisfação é:

O sentimento de prazer ou de desapontamento resultante da comparação do desempenho esperado pelo produto (ou resultado) em relação às expectativas da pessoa.

Há indícios de que a Marca Respeitada tem cuidado com satisfação do cliente, pelos seguintes motivos:

  • com base no que houve comigo, trabalho com a hipótese de que ela parece monitorar o Reclame Aqui e procurar ser bem-avaliada no site;
  • ela tem um programa de troca de produtos (algo que não é obrigatório pelo Código de Defesa do Consumidor em compras presenciais, como foi a minha);
  • a partir do momento em que o SAC me respondeu, minha solicitação foi respondida com rapidez, o que, tomando minha CX como base, é indício de esforço da marca em garantir a satisfação do cliente.

Contudo, tomando minha CX como base, a marca pareceu fazer o suficiente apenas para não ser vaiada em meio digital, pois houve falhas grandes em vários de seus pontos de contato com o cliente:

  • o SAC só me respondeu depois de acionado no Reclame Aqui;
  • eu fiquei sabendo do programa de troca por uma amiga e não pela marca ou na loja, no momento da compra, e mesmo no site a informação está no pé da página, perdida no meio de outras muitas letrinhas:
Destaquei em amarelo a “garantia de satisfação”, que é o programa de troca da Marca Respeitada
  • antes da pandemia, já seria péssimo um telefone de SAC que não funcionasse, depois de 2020, é absolutamente inaceitável, e o mesmo vale para o e-mail;
  • não dá para fazer o pedido de troca diretamente pelo site, por isso, entrar em contato com o SAC é uma etapa obrigatória (o que torna o processo ineficiente se o SAC não responde).

Tudo que relatei até aqui tem a ver com CX e marketing de satisfação do cliente, que envolve palavras-chave como atendimento pós-venda, posicionamento e voz da marca (como confiável, eficiente, solícita) e a imagem que seus consumidores constroem dela e de seus produtos em suas opiniões e reclamações.

Entrar em contato com o SAC foi só uma etapa no processo de troca. O resto da burocracia é o seguinte:

  1. Entrar num link do site para preencher um formulário de solicitação da troca e enviar para aprovação.
  2. Esperar o protocolo chegar por e-mail e levá-lo, junto com o pacote de ração e a nota fiscal da compra, até a loja onde a ração foi adquirida.

3. Usar o valor gasto para pegar outro produto da mesma marca.

Com relação a tudo isso, a minha percepção, baseada na CX que tive, é a de que o marketing de pós-venda e a satisfação do cliente são preocupações da empresa. Contudo, trabalho com as hipóteses de que há oportunidades para melhorias:

  • O SAC precisa ser mais eficiente em atender rápido, seja o telefone, seja o e-mail — cabe à Marca Respeitada descobrir onde estão as causas da falhas e trabalhar para resolvê-las.
  • A informação sobre a garantia de troca, na minha CX, não chegou no momento da compra. A minha percepção é a de que a Marca Respeitada pode averiguar se a divulgação requer ajustes.
  • Pelo fluxograma da minha experiência que coloquei lá em cima, tomando minha CX como base, a Marca Respeitada poderia estudar encurtar e simplificar o processo de troca para melhorar a Satisfação do Cliente.

E por que reduzir esse fluxo é tão relevante? Para se ter uma ideia da importância de uma boa CX no pós-venda:

Uma pesquisa realizada pela Revista Pequenas Empresas, Grandes Negócios apontou que 61% dos consumidores brasileiros afirmam que ser bem atendido é mais importante do que o preço ou a qualidade dos produtos.

Trabalho com as hipóteses de que a UX poderia tanto melhorar o fluxo de CX como é atualmente quanto poderia ser usada para encurtá-lo. Explico melhor como a partir de agora.

B. A questão de UX

Vamos falar sobre formulários!

O UX Writing, minha área de atuação dentro de UX, promoveu avanços incríveis em fazer de algo tão terrivelmente tedioso como preencher um formulário uma tarefa mais simples e rápida.

Há vários recursos para facilitar o trabalho do usuário — agora não falarei mais em cliente, porque saímos do âmbito de marketing e CX e entramos no de UX — e o modo como eles são (ou não) usados diz muito sobre a UX da empresa.

C. Analise comigo a UX no formulário da Marca Respeitada

Primeiro vamos falar de tamanho. O GIF abaixo, feito no formulário obrigatório para obter o protocolo de troca, mostra que se trata de um formulário bem grande:

Imagem do formulário de pedido de troca no site da Marca Respeitada

Um dos princípios de design que se tornaram convenções é evitar elementos desnecessários. Um formulário pode indicar que há coisas dispensáveis sendo pedidas ao usuário, o que gera carga cognitiva, esforço inútil e, novamente, aumenta a impressão de burocracia voltada a dificultar o processo.

Agora vamos falar de preenchimento automático e como ele pode ser inconveniente. Observe o GIF abaixo, também feito no formulário da Marca Respeitada:

Encontrando a minha cidade no meio das outras 645 que existem no meu estado

Sinceramente, o trabalho que eu tive para informar que moro em São Paulo, SP, é o que eu acharia aceitável ter tido para terminar o preenchimento do formulário inteiro.

A escolha de opções de preenchimento existe para diminuir o trabalho do usuário, não para aumentar. Trabalho com a hipótese de que há meios de diminuir o esforço e melhorar a experiência, como perguntar apenas o CEP e usar preenchimento automático para a rua, o bairro, a cidade e o estado, por exemplo.

Há outro exemplo de mau uso de preenchimento de informações com o mesmo defeito no site, as datas:

O método de inserir a informação dá muito mais trabalho do que se fosse simplesmente digitar 8 dígitos

Outro ponto que chama muito a atenção nesse formulário é a grande quantidade de informações que o usuário tem que fornecer. Algumas delas, como o código de barras da embalagem e o número do lote da ração, parecem dispensáveis, uma vez que a nota fiscal é item obrigatório na troca e ela pode oferecer à Marca Respeitada esses dados.

Novamente, pode-se ter uma impressão de burocracia excessiva para dificultar o processo e o UX pode ser usado para justificar essa interpretação. A oitava heurística de Nielsen que prevê o minimalismo como forma de minimizar esforço e eliminar dúvidas, pretende ajudar o usuário a completar uma tarefa, certo?

Portanto, elaborar um formulário enorme, difícil de preencher e com informações dispensáveis pode ser visto como um meio de fazer exatamente o oposto: dificultar a execução da tarefa. Usar UX para não errar nisso é uma grande oportunidade de aumentar a satisfação do cliente.

O fato de existirem opções de preenchimento automático podem ser um indicativo de que a marca tem preocupação com UX. Contudo, a escolha por alternativas que geralmente já não são mais utilizadas nesse contexto pode ser revista pela marca.

Várias marcas mais experientes em UX já trabalharam com formulários parecidos com esse e hoje em dia conseguiram evoluir para soluções que incorporam as convenções de design mais respeitadas, como as heurísticas de Nilsen e as Guidelines do Google.

D. UX aplicado a desenvolvimento de produto para melhorar CX

Eu não trabalho no mercado de rações e não conheço as razões por trás das escolhas de fórmulas e embalagens. Contudo, eu sou cliente. Pesquisando, averiguei que uma grande parcela das marcas que fazem rações para cães de porte grande não oferecem versões em pacotes de menos de 10 kg.

Parece lógico, afinal, são cães que comem grande volume, certo? Nem sempre. E os filhotes?

E mais: todo filhote nasce tomando leite, só depois será inserido no mundo da ração. O que quer dizer que ele precisará testar a ração para ver se consegue se adaptar a ela. Testar fica difícil quando a quantidade de compra são 10 kg ou mais.

Meu ponto é: como cliente, eu não precisaria de uma garantia de troca se pudesse comprar um pacote de ração menor para fazer um teste.

E onde o UX entra nisso? Minha hipótese é a de que o usuário preferiria adquirir um pacote menor a ter que passar pela jornada de troca de produto, caso seu cão não se adapte.

Conversando com usuários a marca poderia aplicar a metodologia UX para fazer testes e explorar esse insight como uma oportunidade de desenvolver embalagens voltadas a atender melhor as necessidades de seu público.

O UX é sobre isso: não é sobre fazer tudo para vender mais, é fazer tudo para solucionar a dor do usuário e, conseguindo fazê-lo, vender mais.

Por fim, faltou sugerir uma proposta de como a jornada poderia ser mais simples e eficiente:

Minha proposta de jornada de troca da ração

Uma vez que a loja é etapa obrigatória na troca, suponho que ela poderia intermediar todas as informações de controle (lote, nota fiscal etc.) dadas à Marca Respeitada. Ao usuário bastaria verificar se preenche todos os requisitos da troca (ração dentro da validade, 80% do pacote não consumido etc.).

Minha hipótese do meio mais fácil de fazer isso é oferecer ao usuário as informações para conferir se atende a todos os requisitos da troca. O que poderia ser feito por três canais:

  • telefone SAC;
  • e-mail SAC;
  • o site (no qual poderia haver um infográfico ou um quiz em vez de um texto simples, com o objetivo de gamificar o processo e oferecer uma experiência divertida — mas isso precisaria ser testado com usuários).

Segundo minha hipótese, nessa nova proposta de fluxo, depois de falar com o SAC ou consultar o site e garantir que atende aos critérios exigidos, bastaria ao usuário ir até a loja fazer sua troca — ou seja, o formulário poderia ser eliminado do processo.

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